Eddie se reinventa: surfrevo da banda segue cheio de gás

Mundo Engano. Capa. Reprodução

 

Como em Morte e vida (2015), seu disco anterior, Mundo engano (2018), disco novo da Eddie, começa com um conselho: “preste atenção”, dado pela voz firme de Fábio Trummer. A correnteza, título da primeira faixa, é metáfora para falar da vida, esse vai e vem de emoções, problemas e superações, em letra que fala ainda em “redemoinhos internos/ a vida e seus invernos”.

Na capa do álbum, de Helder Santos, o olho do céu mirando uma onda-mão a querer catar um barco – nossa miudeza diante da natureza, do universo. Como ao longo do disco, o mar continua tema central em O mar apaga, faixa seguinte, samba surf, flerte em forma de música, fazendo jus ao Original Olinda Style, título do segundo disco da banda (de 2002), que passou a descrever seu som desde então, aqui com reforços do colega de Nação Zumbi Pupillo (produção musical e participação especial na bateria), Carlos Trilha (mixagem e masterização) e Guri Assis Brasil (participação especial ao violão 12 cordas), entre outros.

Oriunda de Olinda, a Eddie, fonograficamente falando, pertence à segunda dentição do MangueBit, tendo estreado com Sonic Mambo, em 1998 – há 20 anos, portanto. Seu som, feito o de pares de movimento, como Nação Zumbi e mundo livre s.a., mistura ritmos pernambucanos como o maracatu, ciranda e frevo a rock, reggae, funk e soul, entre outros, e no caso da Eddie, particularmente, surf music: surf mais frevo, surfrevo.

Essas mesclas ganham destaque, em Mundo engano, em faixas como a funkeada Dobra esquina e a frevada Girando o mundo. Pontuada por violão e slide guitar, O mar lá fora tem clima praiano, de luau: “O mar lá fora e aqui um pacífico oceano pulsa/ Pairando no espaço o tempo nos circunda/ Os pontos cardeais de sol areia e sal/ Ardendo como sempre verões dentro de mim”, diz a letra.

“Riscos escarlates/ marcam a paisagem distante,/ Becos cortam atalhos mostrando/ as vísceras citadinas”, diz a letra de Brooklin (Fábio Trummer e Jorge Du Peixe), homenagem ao bairro paulistano.

O sétimo disco da carreira da banda de Quando a maré encher (faixa de Original Olinda Style, gravada por Cássia Eller e Nação Zumbi), é, politicamente, o mais leve da banda, que nunca se furtou, ao longo de sua discografia, de tocar em feridas brasileiras, o que fazem, aqui, em Medo da rua.

Vivo tendo fogo é uma espécie de trocadilho, trava-língua em que a Eddie junta referências musicais como o forró e o raggamuffin, “uma homenagem que vai de Pato Banton ao Genival Lacerda”, conforme o material de divulgação do disco – disponível para download no site da banda (como toda a discografia da Eddie).

Para Iemanjá é um poema de Marcelino Freire musicado por Fábio Trummer (compositor solitário de todas as faixas, exceto onde indicado): um samba a la Eddie, com a adesão do violão sete cordas de Everson Pessoa, em que a banda volta à questão ambiental, tema de Desequilíbrio (faixa de Carnaval no inferno, de 2008): “Não fui eu quem jogou ao mar/ essas garrafas de Coca./ Essas flores de bosta./ Não mijei na tua praia”, diz a letra. E continua: “Oferenda não é essa maré de merda./ Esse tempo doente. Deriva e degelo./ Neste dia dois de fevereiro. Peço perdão./ Se a minha esperança é um grão de sal./ Espuma de sabão. Nenhuma terra a vista./ Neste oceano de medo” – o disco foi lançado em fevereiro passado.

A banda Eddie em foto de Beto Figueiroa

Faixa menos animada, mas não menos inspirada, De pouco em pouco fecha com pura poesia este novo álbum, sobre a dor da perda de uma pessoa querida. Fábio Trummer (guitarras e voz), Alexandre Urêa (percussão e voz), Andret Oliveira (trompetes, teclados e samplers), Rob Meira (contrabaixo) e Kiko Meira (bateria) conseguem se reinventar – são 20 anos de carreira contados do primeiro disco, mas uma banda existe antes de gravar, conta que fecha em quase 30 anos de atividade. Noves fora, o surfrevo da Eddie continua cheio de gás.

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