Bastidores

O processo. Frame. Reprodução

 

A estreia nacional de O processo, aguardado documentário de Maria Augusta Ramos, acontece hoje (17), em todo o Brasil. Em São Luís o filme será exibido no Cine Lume (Edifício Office Tower, Renascença). Por enquanto, o filme tem apenas quatro exibições garantidas na sala: hoje e amanhã, às 18h20 e às 20h40. Sua continuidade em cartaz depende de seu desempenho e fica aqui o puxão na orelha esquerda: melhor ir ver um filme declaradamente de esquerda que ficar a torto e à direita pedindo boicote ao Netflix, ao Padilha e aO mecanismo, não é?

Dito isto, devo dizer mais: O processo é um filme ao mesmo tempo doloroso e hilariante. Doloroso por comprovar a farsa que foi o processo, o impeachment, o golpe, a tomada do poder pelos golpistas. Hilariante por mostrar o quão ridícula e mesquinha é a direita brasileira. E olha que Maria Augusta Ramos fez o filme por dentro do time de defesa de Dilma, isto é, o acesso privilegiado da cineasta foi à esquerda, tomando partido, enterrando de vez a balela da imparcialidade, se é que alguém ainda acreditava nisso.

Mas é um filme honesto. Justamente por isso. Aliás, para ser melhor, talvez apenas se em vez de O processo se chamasse O veredito: ora, só os que insistem na cantilena de que não foi golpe não creem que o destino, não de Dilma Rousseff, presidenta legitimamente eleita, mas o do país, já estava traçado, em um jogo de cartas marcadas. Havia o remédio, era preciso inventar a doença.

Tecnicamente, O processo é um filme relativamente fácil de fazer. Um filme que acompanha os bastidores de figuras de proa na defesa não de Dilma Rousseff, mas da Constituição Federal, da democracia brasileira e das instituições que por elas deveriam zelar. Além da direção e roteiro de Maria Augusta Ramos cabe destacar o trabalho da montadora Karen Akerman.

Às imagens feitas propriamente para o filme, unem-se imagens de arquivos de emissoras de tevês, sobretudo públicas, mostrando o ridículo de votos pró-impeachment como os de Jair Bolsonaro (que dedicou-o a Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido torturador de que a própria Dilma Rousseff foi vítima quando presa política) e Eduardo Cunha (“que Deus tenha misericórdia dessa nação”), o choro cínico de Janaína Paschoal (advogada autora da peça inicial do processo), ao pedir desculpas à presidenta, e a nobreza e elegância de Chico Buarque, presente à sessão de depoimento de Dilma ao Senado, a dar mais uma prova de que o compositor sempre esteve do lado certo da História.

Como bons brasileiros, o ex-Ministro da Justiça e ex-Advogado Geral da União José Eduardo Cardozo, a senadora Gleisi Hoffmann e o senador Lindberg Farias riem no melhor estilo “seria cômico se não fosse trágico”, no decorrer do filme, o que lhes torna mais humanos e portanto mais próximos da parcela de eleitores/espectadores que verá O processo.

Eis um trunfo do trabalho de Maria Augusta Ramos, merecidamente premiado nos festivais de Berlim (terceiro lugar no prêmio do público de melhor documentário), Visions du Réel (Suíça, melhor longa-metragem) e IndieLisboa (melhor longa-metragem, júri popular, em Portugal), entre outros.

Linear e quente, O processo estreia hoje no Brasil, após iniciar uma trajetória bem-sucedida na Europa, citando fatos ocorridos mês passado, com o país sob a égide do golpe político-jurídico-midiático. No meio disso tudo, Dilma Rousseff denuncia o caráter machista e misógino do enredo kafkiano que a destituiu do poder, devolvendo o Brasil à linha da pobreza e transformando-o de potência em piada no cenário internacional.

Michel Temer, o ilegítimo, na cadeira que não lhe pertence desde o início do teatro do golpe, amargando o mais alto índice de impopularidade de um presidente desde a redemocratização (se é que podemos falar nisso no Brasil), não aparece no filme. Uma sacada inteligentíssima de Maria Augusta Ramos, que antecipa o exercício que a História fará muito em breve: colocá-lo no seu devido lugar, de personagem insignificante, apesar de tudo.

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Veja o trailer de O processo:

2 respostas para “Bastidores”

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