Frito Sampler volta à carga

Alter-ego de Tatá Aeroplano, personagem acaba de lançar Cosmic Damião, seu segundo disco. Criador/criatura conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos

Cosmic Damião. Capa. Reprodução
Cosmic Damião. Capa. Reprodução

Num ano de tantas tragédias, o Cérebro Eletrônico anunciou o fim da banda. Cada um de seus integrantes, agora, toca sua carreira solo. Exceto Tatá Aeroplano. O vocalista toca suas carreiras solo: ele lançou este ano seu terceiro disco, Step psicodélico, e acaba de sair o segundo disco de seu alter-ego Frito Sampler: Cosmic Damião [à venda em seu site, onde também pode ser baixado gratuitamente].

À primeira leitura ou audição, pode soar óbvio, mas o trocadilho é genial. Chega a ser irritante que ninguém tenha pensado antes em Cosmic Damião para título de qualquer coisa. “Foi um lance muito louco, surgiu do nada. A gente compôs a música e no fim do dia eu disse: “isso é cosmic alguma coisa”, e a Julia [Valiengo, da Trupe Chá de Boldo, que encarna a personagem Grace Ohio nos discos de Frito Sampler] arrebatou: “Cosmic Damião”. O nome Cosmic Damião veio de uma maneira cósmica e natural mesmo, revela Tatá Aeroplano/Frito Sampler em entrevista exclusiva a Homem de vícios antigos.

Cosmic Damião traz algumas semelhanças em relação a Aladins Bakunins, o disco de estreia de Frito Sampler: a presença de Julia, inclusive na capa, que traz só o nome do personagem (e não o título do disco), o canto em uma língua inventada, a psicodelia. “O que rolou foi que quando fechou o show de lançamento [do disco Aladins Bakunins] em agosto de 2015, eu me reuni com o Moita Mattos [guitarra], o Marcos Till [contrabaixo], o Pedro Gongom [bateria], Otávio Carvalho [sintetizadores] e a Julia [voz] pra fazer o show. No primeiro encontro pro show de lançamento, em vez de ensaiar o novo disco, em uma tarde surgiram quatro novas canções arranjadas de maneira coletiva, entre elas Cosmic Damião, Smashing Funkin, Amsterdam Hippie Hunters e Haribo Honey Moon”, conta.

“Esse disco foi mais coletivo que o anterior, mais amplificado também: mais banda, tanto que o Frito batizou a banda como Hippie Hunters”, continua, emendando um comentário sobre o estado de espírito que é encarnar Frito Sampler: “eu sempre gostei de escutar todo tipo de música, coisas do Brasil e coisas de fora, mas não aprendi a falar nem entender a língua inglesa. Desde pequeno eu compus letras em português com melodias. Em 1995 eu compus minha primeira canção com uma melodia em palavras de origem inglesa, mas sem nexo nenhum, e desde então em meio as canções com letras em português, surgem algumas em “embromation”. Então com o Frito Sampler, eu consigo dar margem a essa viagem de fazer uma música que cause sensações sem necessariamente dizer algo, ter uma letra ou contar uma história. Quando Aladins Bakunins ficou pronto eu fiquei um tempo no sítio onde passei parte da minha infância e me deixei levar pela natureza totalmente. Durante as bandas que eu tive, uma coisa que me incomodava um pouco, era uma certa vontade da galera de fazer música cantada em inglês, pensando em comunicar com o mundo, ou pedir pra eu colocar uma letra em inglês numa canção “embromation” para ter sentido. Eu sempre achei nada a ver querer falar com o mundo numa língua que não é nossa. Eu sou simples: não sei falar inglês e não vou aprender mais [risos]. Mesmo porque sempre amei e escutei canções cantadas em outras línguas que não conheço e isso me traz sensações indescritíveis de conexão e compreensão cósmica. Inconsciente Ativado. A maior parceria do Frito Sampler é com o Paulo Beto [Anvil FX] e a banda Zeroum, onde criamos desde 2006 dezenas e dezenas de canções, passamos por fases diversas, eu sempre cantando coisas sem sentido”.

Numa cena em que todo mundo toca com todo mundo, o segundo disco solo de Frito Sampler é uma realização coletiva, envolvendo um punhado de talentosos artistas. Tatá Aeroplano/Frito Sampler comenta a feitura do disco: “eu chamei o Gongom e o Moita Mattos depois de um show em que vi os dois tocando com a Juliana Perdigão [cantora e jornalista]. O Moita e o Gongom super sintonizados e improvisando ao vivo. Eu pensei que essa sintonia  ia dar muita liga, já que a Julia e o Gongom são da Trupe Chá de Boldo também. Do Marcos Till sou fã faz tempo. Adoro o Tigre Dente de Sabre e a sonoridade que ele consegue trazer da música eletrônica, tocada com muito sentimento, e o Otávio Carvalho [Vitrola Sintética], produziu comigo o primeiro [disco do] Frito e tocou nesse também, fez sintetizadores e mandou baixo em duas canções. Levantamos as canções em poucos ensaios, tem o DNA de todo mundo nelas: solos do Moita, riffs do Till, ideias do Gongom, linhas de baixo do Ota, melodias e vocais da Grace, ops, Julia! Levamos essa naturalidade toda pro estúdio e gravamos tudo ao vivo”.

Ele segue comentando o processo de gravação: “a gente fez uma pausa no primeiro dia de ensaio, já tinha pintado Smashing Funkin e Cosmic Damião. Daí eu fiquei brincando no Microkorg [um tipo de teclado] e o Till chegou com o Gongom. Eu disse pro Till, “manda uma levada no baixo, tipo “Caçadores de hippies em Amsterdam”, surrealismo biritisco fumacê”, e aí nesse dia rolou a canção Amstedam Hippie Hunters, que tem mais de 10 minutos. Foi um prazer criar coletivamente. No fim desse dia alguém disse “Frito Sampler & The Hippie Hunters”, é algo que remete aos anos 1960, 70 e 90, é bem ligado a essas décadas esse momento”.

Pergunto-lhe o que ativa o Frito e como os que o cercam, fora dos discos e shows, ou ele mesmo, sabem em determinados momentos estarem falando com Tatá Aeroplano ou Frito Sampler – dúvida que era também do repórter. “O que ativa o Frito é a liberdade de pensamento e expressão, uma ligação com a ingenuidade, a infância e também com a política. De não fazer questão de cantar e querer se conectar com o mundo cantando uma língua que não seja a nossa. Me sinto conectado espiritualmente quando as músicas chegam via Frito. Não sei explicar direito, às vezes nos shows incorporo mesmo, é uma coisa louca. O Frito é um personagem que não interfere nos discos autorais cantados em português [de Tatá Aeroplano]. Nós vamos envelhecer juntos, e para cada disco que eu fizer [idem], o Frito vai fazer um dele. É o pacto que eu fiz comigo mesmo acerca disso [risos]”.

Diante do verbo “incorporar”, pergunto se há algo de religioso no Frito. “É uma religação com o ancestral, o que vem antes da religião, mas conectado com a natureza, o sagrado. Sentir, sentir a lua. Fishing Neil Young foi composta numa pescaria: peguei uma traíra imensa nesse dia, limpei e preparei para toda a família comer. Isso é religioso pra mim”.

Os títulos de algumas faixas de Cosmic Damião trazem referências explícitas a Neil Young e Smashing Pumpkins. Ele cita outras: “Fishing Neil Young é porque no dia eu estava pescando, na época escutando-o diariamente. Smashing Funkin nasceu em cima de um riff do Marcos Till, que remete aos anos 90, aí lembramos do Smashing… Haribo Honey Moon tem algo de Mutantes ritalístico [a fase com Rita Lee] no ar, Cosmic Damião já é um axé, Lauren To Heaven é a resposta de Lou Reed para o Oh! My Lou [música gravada pelo Cérebro Eletrônico] que o Frito emplacou no Vamos Pro Quarto [quarto disco da banda]. Em Lauren To Heaven, o Lou pede para Lauren ir visitá-lo cosmicamente. São as viagens loucas do Frito!”.

Como ele havia citado a política no ativar o Frito, indago-lhe sobre o atual momento político por que passa o país. “Vivemos um momento político que é de tirar o sono. Dá tristeza e raiva ver o que fizeram com a Dilma e como as coisas têm caminhado desde então. O mundo virou a chavinha total pra direita. Consumir e destruir, destruir e consumir, é o que a nova ordem prega: mais carros, mais dívidas, força motriz para alimentar o capitalismo desenfreado com que não compactuo. Há tempos que escolhi um modo de vida mais simples. Não tenho carro, ando muito a pé, uso os transportes públicos e raramente pego um táxi. É possível viver com muito pouco, sim. Nos últimos anos eu fiz essa escolha. É uma mágica  e tem a ver com o zen budismo tudo isso. Evito gastar grana com as empresas estabelecidas, compro quase tudo de que preciso de pequenos produtores rurais e artesãos. O que eu ganho com minhas discotecagens, shows e vendas de discos, essa graninha que entra, dou de volta aos pequenos produtores. Como músico sou um pequeno produtor e me organizei pra ser assim, um ser orgânico e simples. Então, consigo diariamente passar por esse momento em que vivemos e encontrar cada vez mais pessoas que compartilham desse mesmo ideal em que vivo”, finaliza.

Ouça Cosmic Damião (Frito Sampler/ Moita Mattos/ Marcos Till/ Pedro Gongom/ Julia Valiengo):

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