Fazendo do mundo um lugar mais legal pra viver

Fábrica de Animais. Capa. Reprodução
Fábrica de Animais. Capa. Reprodução

 

Melhor nome de banda desde a Isca de Polícia do saudoso Itamar Assumpção, a Fábrica de Animais acaba de lançar seu segundo disco, pelo mítico selo Baratos Afins, de Luiz Calanca. O álbum, a exemplo do de estreia, leva apenas o nome da banda, inspirado no romance que o ator e escritor Edward Bunker escreveu quando de sua passagem pela penitenciária americana de San Quentin.

A máxima dos Stones se aplica perfeitamente à banda paulista: é só rock’n roll, mas eu gosto. Na verdade é mais que rock: Flávio Vajman (gaita), Cristiano Miranda (bateria), Fernanda D’Umbra (voz), Caio Góes (contrabaixo) e Sérgio Arara (guitarra) fazem um rock vigoroso, com pitadas de blues e letras de alta voltagem poética.

Seguindo a trilha das referências, umas mais, outras menos explícitas – capa e ilustrações são assinadas por Angeli –, Hendrix é a primeira palavra que ouvimos no disco, em De quando lamentávamos o disco arranhado (Beatriz Provasi/ Fábrica de Animais), sua faixa de abertura. Um delicioso rock’n roll sobre o fim de um relacionamento e seus símbolos.

Jogo de dardos (Marcelo Montenegro/ Cristiano Miranda) também é sobre separação: “saca só o tamanho do estrago/ o que tá escrito na fita não é o que tá gravado/ pode levar o Crumb/ eu só quero ficar com esse jogo de dardos”.

Tudo errado (Fernanda D’Umbra/ Fábrica de Animais) é um blues visceral sobre um amor impossível e cita Roberto Carlos de raspão: “eu sei, eu tô acostumada a sair sem pagar/ voltar de madrugada pro mesmo lugar/ passar os dias latindo em frente ao seu portão/ tá tudo errado”.

Noite daquelas (Marcelo Montenegro/ Sérgio Arara/ Fábrica de Animais) dialoga com Diversão (Sérgio Britto/ Nando Reis), hit dos Titãs: “posso até te ligar pra te convidar/ mas só de ouvir meu alô, você vai sacar/ que hoje não tem jogo nem beijo de novela/ pois hoje o que eu preciso/ é de uma noite daquelas”. A atriz band leader encarna a personagem protagonista da faixa numa interpretação de total entrega, afinal uma marca da grande cantora que é, e precisa urgentemente ser descoberta por mais gente Brasil afora – torço para que De carona com Fábrica de Animais (veja trailer ao fim deste post), documentário de Edson Kumasaka (autor da foto da banda no encarte do disco), tenha sucesso no In-Edit Brasil e cumpra esse papel.

Se bem observarmos, o amor permeia todo este Fábrica de Animais, o disco. Erro (Sérgio Arara) talvez seja um de seus nomes possíveis, não dizem que ele é cego? “Tem um erro encravado na parede da sala/ que atravanca minha vida/ que me fode em nome do amor”, dispara a letra, para arrematar: “erro, tente esquecer/ aceite sua sorte/ encare sua morte/ tenha ele o nome que for”.

A esperançosa Tarde demais (Cristiano Miranda/ Rubens K), uma das mais “tranquilas” do álbum, é sobre o amor possível: “tarde demais você falou algumas coisas banais/ não importa o que aconteça/ tarde demais você falou algumas coisas legais/ e era o que eu mais precisava”.

A irônica Água salgada (Fernanda D’Umbra/ Fábrica de Animais) evoca melodicamente Raul Seixas e toda a pré-história do rock, de nomes como Carl Perkins, W. Penniman e Neil Sedaka, entre outros, lembrada pelo baiano em 30 anos de rock (1973). “No meio do mar não adianta chorar/ o que não falta aqui é água salgada”.

Em Ritalina (Fernanda D’Umbra/ Sérgio Arara) a quase homônima Rita Lee é citada: “não vou mais ouvir Rita Lee/ vou tomar ritalina”, diz a letra, citando a droga hoje bastante popular, em meio a “prestar atenção nos detalhes desse mundo chato” e suas coisas aparentemente simples.

Som cafona (Sérgio Arara) é uma espécie de blues abolerado, mais uma faixa sobre fim de relacionamento e o balanço natural a que normalmente são levados os que passam por isso.

Nervosa, Bossa nóia (Sérgio Arara) fecha o disco em meio a mais um fim de relacionamento, e talvez a vontade de voltar, dialogando com Malandragem (Cazuza/ Frejat), sucesso de Cássia Eller: “princepezinho virou sapo, tchau!/ tem chulé meu sapato de cristal/ no truco nunca serei ás de paus/ essa vida é engraçada/ quando alguém sonha com fadas/ tem-se a sensação de não viver/ só que a minha fada é foda”.

Fechar o disco é modo de dizer: uma faixa escondida, sem título, explode num rock alucinante, escancarando o modus operandi punk da Fábrica de Animais. “Eu não tenho dinheiro”, repetem o verso carma, o que nunca foi uma desculpa para deixar de fazer, enquanto desconstroem símbolos do conforto da classe média.

Violentar o status quo foi desde sempre uma tarefa que coube ao bom e velho rock’n roll. “Vou prestar atenção nos detalhes desse mundo chato”, voltamos à letra de Ritalina, a Fábrica de Animais subvertendo-os e ajudando a tornar este mundo um lugar menos chato pra viver.

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Assista trailer de De carona com Fábrica de Animais, documentário de Edson Kumasaka:

2 respostas para “Fazendo do mundo um lugar mais legal pra viver”

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