Fábio Cabral de Mello e a Passa Disco: lendas vivíssimas do Recife

TEXTO E FOTOS: ZEMA RIBEIRO

Entre amigos, clientes e amigos clientes, o movimento na Passa Disco
Entre amigos, clientes e amigos clientes, o movimento na Passa Disco

 

Recife – De passagem por Recife, a trabalho, leio no Jornal do Commercio, um texto de José Teles sobre o lançamento do dvd Vizinho de grito, de Jessier Quirino. O texto me leva à Passa Disco, lendária loja especializada em música pernambucana – mas que vende boa música brasileira em geral – que completará 12 anos de bons serviços prestados no próximo novembro.

O lançamento estava marcado para às 19h. Terminada a atividade de que eu participava na capital pernambucana, dirigi-me para lá, a fim de conhecer a loja e seu proprietário, Fábio Cabral de Mello, 52 – primo do poeta João Cabral de Mello Neto: o pai deste era irmão do avô daquele –, e, com sorte, pegar o autógrafo de Jessier Quirino, o que consegui, embora não tenha sido possível ficar para o recital, já que não podia me arriscar a perder o voo de volta à Ilha.

Além de loja, localizada no Shopping Sítio Trindade (Estrada do Encanamento, 480, loja 7, Parnamirim), a Passa Disco é também um selo, já contando oito títulos no catálogo – sempre pernambucanos para o mundo. Seu proprietário atende os clientes pelo site, facebook e pelo telefone (81) 3268 0888, cujos endereços e número ele diz pausadamente ao fim da entrevista, com o celular ainda funcionando como gravador.

Até a hora de a loja e seus arredores ficarem tomados pelo público de Jessier Quirino, eu ainda daria uma carga no aparelho, compraria discos (óbvio, como bom homem de vícios antigos) e experimentaria uma dose da cachaça Sanhaçu, oferecimento dos novos amigos Paulo Carvalho (que me fotografou com o poeta-cantador) e Luiz Berto, vulgo Papa Berto, editor do Jornal da Besta Fubana – como bons habitantes do Recife, eles chegaram de “greia” o Fábio, perguntando-lhe se a loja tinha algum disco do Calcinha Preta ou coisa que o valha.

O proprietário emoldurado por autógrafos de artistas que já passaram por sua loja
O proprietário emoldurado por autógrafos de artistas que já passaram por sua loja

 

Você tinha um bar e restaurante com os irmãos, se desentendeu e abriu a loja? Me desentendi com os funcionários, não com meus irmãos. Os irmãos continuamos juntos. Eu sou agrônomo, trabalhava com jardinagem. Quando saí do bar fiquei só com a jardinagem, aí depois que eu montei a loja ainda passei um ano e meio, dois anos fazendo as duas coisas, depois só com a loja. Há praticamente 10 anos eu trabalho só com a loja.

O que te fez ter esse estalo?: vou viver de vender música! Já era um grande ouvinte, colecionador? Sempre, sempre! Desde garoto, com 10 anos de idade eu comecei a comprar lp, fita k7, essa coisa toda. O estalo pra isso foi quando Silvério Pessoa lançou um cd sobre Jackson do Pandeiro, o Micróbio do Frevo [2002], fez um encontro com a imprensa, José Teles, Michele Assunção, diversos jornalistas, e me convidou para participar, de gaiato na história. As declarações dele sobre a música, aí os jornalistas comentaram que Recife estava vivendo uma efervescência imensa de música, todo mundo lançando discos, e não tinha uma loja especializada em música. Eu saí dali meio… eu digo que o Micróbio do Frevo me contaminou também. Eu sai de lá com essa ideia, fui para casa dirigindo e pensando. Uns seis meses depois eu concretizei. Foi o tempo de ver abertura de firma, loja, depois eu montei a loja a partir dessa ideia. Esse foi o pontapé inicial.

Micróbio do Frevo foi lançado quase 10 anos depois do boom do manguebeat, ali com Da lama ao caos [1994], de Chico Science [& Nação Zumbi]. Você acompanhou de perto a explosão do manguebeat? É, mais ou menos isso, nessa faixa. Acompanhei. Cheguei a ir a diversos shows de Chico Science. Nessa época do bar, a turma frequentava, Chico não chegou a frequentar por que ele logo viajou.

Como era o nome de teu bar? Era O Rei do Cangaço. Otto, Lirinha [ex-Cordel do Fogo Encantado], Silvério [Pessoa], Lula Queiroga, Lenine, esse pessoal todo, minha permanência no bar nesse período foi importante para a música, para criar laços com essas pessoas. Comecei a vender discos no bar, discos independentes, Lula Queiroga, Josildo Sá, músicos locais, faziam algum evento no bar, levavam discos para vender, não vendiam todos, eu falava “deixa aqui” e comecei.

Às vezes nós temos uma dificuldade de nos distanciarmos quando estamos dentro do olho do furacão. Você já tinha noção da importância que teria o manguebeat? Eu percebi. A coisa foi tão assim, tão forte. Eu sempre acompanhei muito a música de Pernambuco e ficava sentindo a necessidade de um movimento que o Brasil todo tomasse conhecimento, que eu espero que tenha tomado, né? Achava, quando começou, no final dos anos 1970, início dos 80, o grande sucesso de Alceu [Valença], Geraldo Azevedo, Robertinho de Recife, eu achava, “opa, vai ter um movimento!”, por que nunca tinha tido um movimento como teve na Bahia a Tropicália, o Pessoal do Ceará, nunca teve um movimento forte aqui, muito embora, antes deles, Luiz Gonzaga foi o maior de todos, talvez do Brasil, o mais revolucionário, a estética de roupa, de criar estilo, sem internet, sem televisão, sem nada, e ele de ponta a ponta do Brasil conheceram o trabalho dele.

O nome Passa Disco vem de onde? Você também lida com sebo ou só discos novos? Eu tenho um sebo de vinil, mas surgiu depois, uns cinco, ou seis anos depois. O nome Passa Disco foi uma criação de Lula Queiroga. Lula é publicitário, aí eu conversando com ele, eu fazia inclusive jardinagem no escritório dele, e comentei que ia fazer uma loja. Aí ele: “vai fazer uma loja? Legal! Bota Passa Disco!”

Como você avalia esse cenário de derrocada da indústria fonográfica e do próprio formato cd? Eu já comecei com ele quebrado. Quando eu comecei a loja, as grandes lojas do Recife já estavam fechando. Tinha algumas pequenas, algumas ainda permanecem, outras fecharam. Eu já sabia que era difícil. Tanto é que quando eu comecei aqui eu continuei com a jardinagem por que tinha que ter a sobrevivência. Com o passar do tempo foi solidificando e eu fui levando. Ruim deve ter sido para quem, na época, vendia milhares, aí veio a internet, download, deve ter tido uma quebra. Como eu já comecei por baixo…

Que discos da música pernambucana entrariam em um top five particular? Olho de Peixe [1993], de Lenine e [Marcos] Suzano, com certeza. Da lama ao caos. Vivo [1976], de Alceu Valença, qualquer disco de Luiz Gonzaga, qualquer disco de Capiba, são top. Desses que eu acompanhei, vi nascer, estes dois [Olho de peixe e Da lama ao caos]

Você é amigo dessa turma, isso facilita um pouco, não é? É, já no bar comecei, e depois é natural, as pessoas vão se chegando.

Jessier Quirino autografa Vizinho de grito em lançamento na Passa Disco (16/4)
Jessier Quirino autografa Vizinho de grito em lançamento na Passa Disco

Hoje haverá o lançamento de Jessier Quirino, e a Passa Disco acabou virando também este ponto de encontro. É possível listar alguns outros lançamentos, mais ou menos recentes, realizados aqui? Acredito que a gente já fez nesse período, a uma média de dois por mês, mais de 100. Fizemos lançamentos de Elba Ramalho, Dominguinhos, Silvério, Geraldo Maia, Maciel Melo. São constantes os lançamentos.

A Passa Disco também é um selo, não é? Sim. A gente lança coletâneas. Desde 2006 a gente vem lançando coletâneas. Já lançamos volume 1, volume 2 e volume 3 de [Pernambuco] Cantando para o Mundo, aí tem dois volumes de Pernambuco Frevando para o Mundo, dois volumes de Pernambuco Forrozando para o Mundo e mais um outro projeto que a gente iniciou, artistas que já lançaram discos, estão esgotados, e a gente faz o relançamento. Começamos ano passado com Josildo Sá. Aí tira o nome, aí fica Josildo Sá Cantando para o Mundo. Vai ser sempre nessas frentes.

7 respostas para “Fábio Cabral de Mello e a Passa Disco: lendas vivíssimas do Recife”

  1. E assim seguem, a nossa Passa Disco e o nosso Fábio, fazendo a felicidade de todos nós, que gostamos da boa música pernambucana e brasileira. Vida longa à Passa Disco e à Fabio Cabral!

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