BANQUETEIEM-SE, ALDEÕES!

Textinho que saiu no número 5 (fevereiro/2010) do Vias de Fato. Como a edição de Cesar Teixeira deu uma melhorada no material, segue o que saiu no papel.

LENA MACHADO
UMA CANTORA GENUÍNA EM SUA ALDEIA

Em seu segundo disco, Samba de Minha Aldeia, Lena Machado passeia pelo melhor da produção musical contemporânea do Maranhão.

POR ZEMA RIBEIRO


[Foto: Rivânio Almeida Santos]

Uma chuva fina cobria trechos da Ilha de São Luís na noite da quinta-feira, 14 de janeiro de 2010, quando alguns sequer haviam curado a ressaca do recesso – ou férias, aqueles que fazem jus e emendam com a folga no calendário escolar dos filhos. Alguns trechos no caminho do Bar do Léo estavam congestionados.

20h era o horário marcado para a audição pública e noite de autógrafos de Samba de Minha Aldeia, segundo disco da cantora Lena Machado, recém-saído do forno, já tocado em alguns programas de rádio e comentado aqui e ali na imprensa ludovicense. A curiosidade era, na verdade, pela Ousadia (título de uma de suas faixas, de autoria de Chico Canhoto) da cantora de lançar o disco sem realizar um show.

Um bom indicador, aliás, era o alto número de execuções no próprio Bar do Léo: Leonildo Peixoto não cansava de ouvir e elogiar o trabalho: “Tá bonito! Bem gravado, com qualidade…”, derramava(-se), interrompido por um ou outro cliente. Ao que o repórter indaga: “E o encarte então, hein?”. Léo arremata: “Sou suspeito! Sou suspeito…”

Ora, o Bar do Léo é o cenário do encarte do trabalho, captado pelas lentes de Rivânio Almeida Santos – irmão do radialista Ricarte (agora também compositor de choro, gênero que ajuda a difundir no rádio há cerca de 20 anos) –, com projeto gráfico de Waldeilson Paixão, recém-saído do curso de Design da Universidade Federal do Maranhão. O atraso na conclusão dos trabalhos de prensagem adiou o lançamento do Samba, previsto ainda para 2009. Reunir os amigos era uma forma de dizer que o disco chegou.

Entre os presentes à festa, os compositores Josias Sobrinho (autor de De Cajari pra capital), Ricarte Almeida Santos (Chorinho de Herança, em parceria com Chico Nô), Bruno Batista (Acontecesse) e a (madre)divina dama Patativa (Colher de chá); entre os músicos, Luiz Cláudio (percussão), João Neto (flauta) e o DJ Franklin Santos (efeitos eletrônicos). Nunca se tinha visto o misto de bar e museu encravado no Hortomercado do Vinhais tão cheio: compositores, músicos, jornalistas, radialistas, fotógrafos, amigos e apreciadores de boa música em geral lotavam o Bar do Léo, o proprietário também personagem do encarte de Samba de Minha Aldeia.

Samba maranhense? – Provocativo, o título do CD tem rendido boas discussões, seja nos meios de comunicação tradicionais e convencionais, nos novos canais – principalmente as redes sociais, onde a cada dia emissores e receptores se confundem mais e mais –, ou na velha e boa mesa de bar.

Existe, de fato, uma música genuinamente maranhense? Ou, mais além, um samba maranhense? Existe essa aldeia sambista que Lena Machado canta em seu disco? “Se cada região construiu um sotaque, eles apresentam nuances diferentes, mas o samba que nasce de minha aldeia tem, nas suas origens, águas das mesmas nascentes: a fusão de cores, povos, culturas, linguagens… todos os afluentes que alimentam os rios de sambas que enchem de vida e alma a cultura brasileira”, filosofa a cantora.

O samba e o choro produzidos no Maranhão são predominantes no disco. Mas nem de longe isso significa que a cantora quer se fechar em seu próprio umbigo. Ao contrário: a ideia é ganhar asas e mostrar o que de melhor se produz no Maranhão, tanto cá quanto lá, tão logo surjam as oportunidades – e nisso a artista tem trabalhado um bocado.

“A iniciativa de realizar uma sessão pública de audição e noite de autógrafos no Bar do Léo foi uma forma de chamar a atenção da mídia, mostrar que o disco chegou, despertar a curiosidade das pessoas por seu conteúdo. Mas é claro que isso não anula a realização de um show, que já estamos programando para maio [notinha exclusiva, cá no blogue: o show de lançamento de Samba de Minha Aldeia acontecerá em julho]”, anuncia Lena Machado.

Selecionado na categoria Gravação pelo Plano Fonográfico da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão ainda em 2008, e finalizado com o apoio cultural da Pousada Portas da Amazônia e TVN São Luís, Samba de Minha Aldeia é um passeio pela produção musical contemporânea do Maranhão. Entre inéditas e regravações, Lena Machado envereda pelo samba do título, chorinho, blues, baião, pitadas eletrônicas, citações de salsa e dos ritmos da cultura popular de seu estado natal, em composições de Josias Sobrinho, Ricarte Almeida Santos, Chico Nô, Chico Canhoto, Bruno Batista, Gildomar Marinho, Aquiles Andrade, Cesar Teixeira, Joãozinho Ribeiro e Patativa.

Entre os músicos arregimentados para o registro, Luiz Jr. (violão sete cordas, viola, direção musical), Luiz Cláudio (percussão), João Neto (flauta), Robertinho Chinês (bandolim e cavaco), Rui Mário (sanfona), Oliveira Neto (bateria), João Paulo (contrabaixo), Thales do Vale (flugel, trompete), Analício Silva (clarinete), George Presunto (trombone), DJ Franklin Santos e Guilherme Raposo (efeitos eletrônicos).

O CD conta também com as participações especiais de Netinho Albuquerque (pandeiro) e Henrique Martins (violão sete cordas) em Chorinho de Herança (Ricarte Almeida Santos/Chico Nô), e Zé da Velha (trombone) e Silvério Pontes (trompete) em Colher de chá (Patativa). Lena Machado assina as direções executiva e artística do disco.


[Foto: Rivânio Almeida Santos]

Raízes musicais – Nascida em Zé Doca/MA, em 1974, são da cidade natal suas primeiras incursões pela música, seja cantando nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ou em raríssimas aparições em bares, na noite zedoquense – ela conta três: “na primeira, um sucesso, o bar lotado; na segunda, o público diminuiu; na terceira, uma mesa de amigos cantando com a gente”.

Sua trajetória enquanto artista nunca esteve dissociada de sua ação enquanto cidadã: em São Luís, a primeira aparição pública, cantando, foi num show que comemorava os 26 anos de fundação da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), em fevereiro de 2005, quando dividiu o palco com nomes como Gildomar Marinho (de quem grava Gracejo), Joãozinho Ribeiro (Tempo mau) e Cesar Teixeira (Botequim).

No ano seguinte Lena Machado gravaria Canção de Vida, disco de estreia, uma celebração institucional dos 50 anos de atuação da Cáritas no Brasil. Nele a cantora emprestava sua voz a canções que marcaram a trajetória da Cáritas-MA, onde trabalha, e outras organizações do movimento social maranhense em suas lutas por uma sociedade mais justa e igualitária. Casos de Oração Latina (Cesar Teixeira), Milhões de Uns (Joãozinho Ribeiro), Sem Resposta (Chico Canhoto) e Minha História (João do Vale), entre outras.

Público e crítica notam uma evolução artística de Lena Machado entre os dois trabalhos. O primeiro disco tinha um propósito, cumprido; o segundo possibilitou, por um lado, a liberdade para escolher repertório, músicos e pensar o projeto como um todo (o que lhe tomou quase dois anos) e um maior convívio com músicos, sobretudo no projeto Clube do Choro Recebe. Nesse local, não raro o público pode se deleitar com sua interpretação para clássicos da MPB, como Barracão (Luiz Antonio/Oldemar Magalhães), Doce de Coco (Jacob do Bandolim/Hermínio Bello de Carvalho) e Araçagy (Cristóvão Alô Brasil).

Naquele projeto, em agosto de 2008, Lena prestou concorridíssimo tributo a Clara Nunes, uma das cantoras de sua admiração. O Restaurante Chico Canhoto, então palco do Clube do Choro Recebe, lotado, gerando expectativa de uma nova homenagem à intérprete de clássicos como Canto das Três Raças (Paulo César Pinheiro/Mauro Duarte) e Juízo Final (Élcio Soares/Nelson Cavaquinho), entre outras. Lena Machado nunca intentou repeti-lo, quiçá receio de ser rotulada de mera cantora cover, tendo muito mais a mostrar.

Samba de Minha Aldeia, de Lena Machado, não é bairrista ou xenófobo, mas genuinamente maranhense. O cardápio musical está posto, leitores-ouvintes escolham o acompanhamento: tiquira, juçara (açaí, não!), arroz de cuxá, peixe pedra frito. Um brinde ao banquete da boa música!


[Samba de Minha Aldeia. Capa. Reprodução]

Ouça: http://www.myspace.com/lenamachado.

Samba de Minha Aldeia está à venda na Livraria Poeme-se (Praia Grande), TVN (São Francisco) e Bar do Léo (Vinhais).

Preço: R$ 20,00.

30 respostas para “BANQUETEIEM-SE, ALDEÕES!”

  1. Tia Parabéns pelo seu cd,continue sempre assim batalhando pelo que vc almeja, acredite em você e nos seus sonhos. Tentar não significa conseguir, mas todos que conseguiram foi porque tentaram,então vá em frente que irás muito longe.

    Bjus da sua subrinha Agda Luanda

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