THE LAST, THE BEST

The last post of the year, the best disc of the year. E perdoem-me o pobre inglês.

Texto, entrevista e retratos por Zema Ribeiro

De cara, sem meias palavras: Emaranhado foi o disco mais injustiçado de 2008. O silêncio midiático que pairou sobre o mais novo lançamento de Chico Saldanha, quase dez anos após Celebração, causou-me certo estranhamento, embora nem mesmo o compositor se assuste.

Gravado entre São Paulo (Estúdios Saravá e Estúdio do Tuco [Marcondes, da banda de Zeca Baleiro]) e São Luís (Estúdios Bagasound e Sotaque), a bolachinha produzida por Saldanha teve direção musical de Zeca Baleiro, Luiz Jr. e Cao Alves. O belíssimo projeto gráfico é de Andrea Pedro, que depois faria o dos dois volumes d’O coração do homem bomba.

No Prêmio Universidade, o trabalho concorreu a poucas das vinte categorias, este ano. Quem levou a de Disco do Ano foi Balançou no congá, póstumo do compositor Lopes Bogéa, cuja produção executiva Saldanha divide com Rossana Decelso, Samme Sraya e Zeca Baleiro (também produtor). Do mesmo álbum, o compositor de Itamirim divide a co-produção com Leonardo Nakabayashi.

A obra de Chico Saldanha é constante: todos os seus discos – Chico Saldanha (1988), Celebração (1998) e Emaranhado (2007) – têm muitos acertos: boas letras e melodias, arranjos inspirados, times de músicos de primeiríssima linha. Somente a toada Itamirim, hoje um clássico da música maranhense, já lhe valeria vaga na galeria de grandes compositores brasileiros. Mas Saldanha, nascido em Rosário, em 1945, tem muito mais. Um emaranhado de boa música, embora ele não se considere um perfeccionista.

A distância entre os trabalhos é justificada pela paciência que o artista tem, tempo necessário para juntar uns trocados e fazer discos independentes. Assim ele tem tocado sua carreira, dividido entre os ofícios da música e da advocacia, suas profissões, a segunda sustentando a primeira.

Este blogue também silenciou, é verdade, sobre o, aos olhos e ouvidos do blogueiro, disco do ano. Injustificadamente, reconheço. Marcamos bobeira esperando espaço na mídia tradicional – que não vem se ele não saímos à cava –, na certeza de que um texto sobre o novo disco de Chico Saldanha – por si só, um acontecimento digno de notas e notas, matérias e matérias – mereceria tratamento gráfico à altura (em falta na maioria absoluta do excesso de jornais em São Luís), fotos, reprodução da capa do disco (que acaba não saindo aqui) etc. Só em novembro o blogueiro voltaria a assinar coluna em jornal local – a Tribuna Cultural, aos domingos, no Tribuna do Nordeste – espaço insuficiente para o que pretendíamos (e tentamos fazer agora).

Abaixo, por vezes defasado (entre outros exemplos, o Prêmio Universidade FM já passou e o “disco do Chico” – assim se referiu a Emaranhado certo colunista social local – não levou – o compositor diz não se importar), melhores momentos de conversa que tive com ele – Chico Saldanha, não o colunista social, é válido frisar – numa tarde quente de setembro, regada a cerveja, na Feira da Praia Grande.




[A la Playboy, três momentos de Saldanha durante a entrevista]

ENTREVISTA: CHICO SALDANHA

Saldanha, vamos começar por tua infância. Você nasceu em Rosário…
Eu nasci lá e mais ou menos com oito anos meu pai, por força dos filhos estudarem, somos seis irmãos, ele não queria que fôssemos pescadores, a gente veio pra cá estudar, desde o primário.

Aí já foi morar naquele circuito de São Pantaleão, Madre Deus…
Já, já passei direto pra lá, São Pantaleão, ali naquela quadra, Santiago… desde 1954, 55 fomos morar ali.

É a partir daí que a música entra de forma mais séria na tua vida?
O pessoal lá em casa era muito musical, minha mãe tinha estudado piano, apesar de não ter piano em casa. E tinha uma tia nossa que era pianista da Rádio Timbira, e às vezes ela nos levava para assistir aqueles programas de auditório. E na casa dela iam grandes cantores que vinham se apresentar e a gente olhava. Alcides Gerardi, Cauby Peixoto, Ângela Maria. Isso nos leva inconscientemente… olhávamos, sempre gostando de participar daquilo.

Mas não teve um marco? Quando foi que você se decidiu a seguir uma carreira?
Teve sim. Eu era uma pessoa que sabia tudo quanto era música. Bastava ouvir uma, duas vezes, no rádio. Meu irmão tinha muito disco. Ele era maníaco por comprar discos. De jazz, Luiz Gonzaga… era compulsivo. Ele comprava tanto disco que, num sábado, ele levava dez para ouvir, e eu ficava com dois, três, todo sábado isso. Naquele tempo eu escutava muita música, não tinha outra coisa pra fazer ali na São Pantaleão. E escutando também, olhando, Turma do Quinto, o Fuzileiros [da Fuzarca, bloco carnavalesco da Madre Deus que recém-completou 73 anos de fundação] passar, escutando os tambores da Casa das Minas, Casa de Nagô no fundo lá de casa. E definitivamente fui para a música quando Ubiratan Sousa, nosso famoso Ubiratan, foi morar do lado lá de casa. Tínhamos 13, 14 anos, mas ele já tocava. Os irmãos dele tocavam também. Um dia eu ia passando e ele tava tocando, ele disse: “rapaz, vem cá, eu escutei, tu canta direitinho. Canta uma música aqui”. Eu, todo encabulado, não queria cantar. Cantei e fui aprovado. Por que para entrar na turma deles, não era fácil. Aí ele me convidou logo pra uma seresta, e eu “rapaz, papai não deixa e tal”. Aí eu fugi e passei a fazer parte. Disso, nós criamos um grupo, no Liceu [Maranhense, onde Saldanha estudava], dos Beatles. Era eu, meu irmão, Chico Linhares, o pessoal que estudava lá.

De teus irmãos algum seguiu a carreira da música?
Até um certo tempo meu irmão que é médico, o Nena Saldanha. Aí, nós fizemos, e não tinha violão para tocar. Ubiratan, a princípio, não quis apostar. Ele já tocava músicas mais sofisticadas e a gente ia tocar Beatles. Mas ele disse que conhecia um cara que tocava, que eu já conhecia também, que era João Pedro Borges. Aí a gente fez esse conjunto. Sinhô [João Pedro Borges] foi, gostou, se identificou muito com aquela música dos Beatles. Ele achava que tinha uma tessitura de música erudita, embora não no começo. Dali a gente fez, cantou e foi sucesso. Eu e Nena no vocal, João Pedro no violão e Chico Linhares. Passou um tempo e aquilo não satisfez mais a gente. Aí Ubiratan resolveu entrar na história e já mudamos, passamos a cantar bossa nova, sofisticou, saíram alguns. Ficamos eu, Ubiratan e o Chico. Sinhô, às vezes participava, mas viajou, foi pro Rio.

Isso era que ano?
1970. Aí já começou a época dos festivais aqui. Em 1972 eu já participei. Inclusive ganhei, com uma música chamada Dom Quixote. O júri era composto por caras como Fagner, Macalé.

Mesmo tu tendo vencido um festival no começo da década de 70, só foi estrear em disco lá pelo final da década de 80…
Quando eu participei desse festival e ganhei, ficou a história da cobrança. Eu tinha feito aquelas músicas tão sem pretensão nenhuma. Fiz três para o festival e me assustei. Eu era muito perfeccionista, só queria fazer música com a harmonia muito quebrada, sofisticada.

Aliás, tu continua assim, não?
Não. Na verdade, era uma falta de maturidade. Pensava: tenho que fazer isso aqui bonito, tem que ter uma harmonia “empenada”. Nesse tempo, que eu tava nesse hiato, o pessoal perguntava: cadê as músicas?, aquela música era bonita e tal… mas cadê as músicas? [risos]

E tem que ter muito pé no chão, né? Um jovem ganhando um festival, a tendência é se achar o máximo, pensar “então eu vou gravar um disco”… tu fizeste o caminho contrário.
É. Pensei: para, que não é isso! Tenho que achar uma outra saída. Eu tive assim uma sorte. Passei a encontrar mais Cesar Teixeira. Cesar é mais novo que eu, eu já conhecia, fazia música, já tinha feito música com Cesar, ali na São Pantaleão, depois desse festival. Passei a sair com Cesar. Eu já conhecia bem samba, meu irmão tinha muito disco, como eu te falei. Sambas de Noel [Rosa], Wilson Batista, Jackson do Pandeiro. Aí eu encontrei Cesar e nessa época aparecia Josias Sobrinho, ‘tava surgindo. Começamos a sair, cantar, aí eu disse: pronto, é aqui que eu vou me reciclar na maneira de compor.

Entre outros, são pessoas a quem tu agradeces no encarte do Emaranhado
Tem uma pessoa que eu coloquei aí, que eu estudava com ele no Liceu, chamado Ribamar Sousa, nunca mais vi, foi pro Rio de Janeiro, não sei se ‘tá vivo, mas foi um cara que também me motivou muito pra música, conversava sobre música 24 horas por dia, era alucinado, não tocava nada, era um cara que gostava por gostar. Essa época eu saia com Chato [apelido do falecido compositor maranhense Antonio Carlos Maranhão], Cesar, Josias, Carlos Henrique, que é um compositor de Belém. Aí eu fui ver outra maneira de compor, de encarar a música.

Mas o tempo todo morando em São Luís…
Morando lá na São Pantaleão…

Estudando direito…
Estudando direito, e quando passa esse período, em 76, por aí, fui pro Rio, passei quase um ano lá, só ali, sacando as coisas, aí voltei. No final de 79, 80, fui pra São Paulo, morar. Aí passei uns 20 anos. Meu primeiro disco foi feito lá. Quando cheguei lá só encontrei Papete. Depois chegaram [o compositor maranhense Giordano] Mochel, Ubiratan, Manoel [Pacífico, percussionista maranhense], Erivaldo [Gomes, percussionista maranhense]. Aí eu travalhava num escritório de advocacia e com a chegada deles, eu me empolguei e larguei. O pessoal fazia muita música. Toda hora alguém chegava: “vamos fazer uma música!” e o cara tinha que mostrar. Aí eu fui compondo, até por ser uma coisa mais tranqüila, lá, não tinha tanto compromisso.

Aí é que surge o primeiro disco…
Aí teve essa oportunidade. Um empresário ouviu, mostrei umas músicas, ele gostou, e disse que patrocinaria. Aí eu parti. E foi aquela velha história: vou pegar músicos bons…

Tanto é que estão lá Giordano, Erivaldo, Klecius…
O Ney [Marques], Toninho Ferragutti… Tião [Carvalho] cantando Itamirim

Hoje clássico da música maranhense, mas já nasceu ali no primeiro trabalho…
Eu acho que fez mais esse sucesso por causa da interpretação de Tião, que eu acho muito marcante. Era uma música que eu coloquei em último lugar [é a última faixa do lado a do vinil], ela nem ia entrar. Era uma toada muito complicada, ainda tinha resquício daquela época, de quebrar a música, ela é quebradona, tanto que muita gente já teve vontade de cantar…

Aí só dez anos depois vem Celebração
Aí já era uma outra fase da minha música.

Tu ainda estavas em São Paulo?
‘Tava. Conheci Zeca [Baleiro], Chico César, Rita [Ribeiro]… era outra coisa. Minha música mudou, aprendi muito com eles.

É por isso que eu falo em perfeccionismo: o intervalo médio de dez anos entre um disco e outro que tu tens mantido. Em 1988, a estréia [o homônimo Chico Saldanha]; em 98, Celebração; quase em 2008, Emaranhado [show em 12 de dezembro de 2007, nos jardins do Museu Histórico e Artístico do Maranhão marcou o pré-lançamento do disco]. Tem o lance de tu não te dedicar integralmente à música…
[interrompendo] Eu não digo nem me dedicar integralmente, eu me dedico mais à música, a estar sempre no ofício de música, de gostar de música, antes de qualquer coisa. Tanto que quando eu vou trabalhar em outra coisa, pois preciso me manter, já tenho filho, já tenho até neto agora [risos], Eu, sempre que a pessoa me convida para um trabalho, eu já aviso que se pintar qualquer coisa, a coisa que eu gosto, que eu tenho interesse acima de tudo, é música. Não é que eu não me dedique, eu não me dedico é a fazer shows, a fazer disco. Música eu tenho. Quando eu acabo de fazer um disco, se quiser eu faço outro amanhã. Mas gosto de fazer bem feito, com condições. Não gosto de depender muito, guardo um dinheiro e vou juntando, separo. Esse disco agora demorou bem uns três anos, lembra que eu te falei que ia lançar?

Sim, lembro. Sempre que eu te encontrava eu perguntava [risos]
Aí às vezes eu não faço também muito show. Há um problema de público aqui. Você faz show e vai pouco público. Talvez eu não tenha vocação para o lance do marketing.

Penso que isso seja um problema geral, o pessoal não valoriza o que ‘tá aqui. Por exemplo, nomes como Zeca e Rita, se estivessem aqui estariam tocando em barzinho, embora eu não tenha nada contra barzinho.
É, eu não ‘tou mais para ficar tocando e o cara ‘tá comendo, ‘tá de costa pro artista. Sábado eu fui assistir ao show dum amigo nosso, até dei canja, mas tinha pouquíssimo público, o cara bom, música bonita. Talvez seja uma falha nossa, não acharmos o caminho. Mas eu também não me preocupo em procurar. Por exemplo, esse disco meu, a divulgação é zero, como foram os outros. Eu pensei em fazer alguma coisa, mas acabei me perdendo, ‘tou me perdendo de novo.

Eu tava comentando com Flávia [Bittencourt, cantora maranhense radicada no Rio de Janeiro], sobre nosso encontro. E eu dizia que vou aproveitar uma coisa ruim, que foi o silêncio midiático, apesar de tu ter feito um show de pré-lançamento, que reuniu uma pá de gente boa, de fazedores de música de qualidade no Maranhão…
[interrompendo] Foi um acontecimento aquilo ali.

Sim, um acontecimento. E apesar disso e do disco ser realmente muito bom, musical e plasticamente, há um silêncio inexplicável…
[interrompendo novamente] Eu vou te contestar: eu acho que para o Maranhão não foi um disco bom.

Será?
Às vezes eu fico me questionando. Acho que não gostaram. Mostrei pra todo mundo, houve um silêncio tumular. É muito fácil você fazer uma propaganda antes, é fácil mandar release. Mas é difícil comentar o disco. Acho que as pessoas não gostaram e como aqui todo mundo se conhece, não quiseram falar mal. Agora, ao mesmo tempo, eu vejo que disco de ninguém é comentado.

Não é que eventualmente o disco não tenha agradado a crítica. É que a crítica não existe no Maranhão.
Pode ser isso que eu disse. Pode não ser. Eu não tenho certeza.

Mas ninguém tem certeza, nem eu, nem tu. Tu, principalmente, como fazedor, não vai achar teu disco ruim.
É, não acho. Quando eu soltei, ele já tinha passado por muito crivo, muita peneira, auto-crítica…

Eu também não acho. Eu acho que Emaranhado tem tudo para ser o grande acontecimento do ano, por exemplo, no Prêmio Universidade FM 2008. O que aconteceu na indústria do disco do Maranhão, se é que a gente pode falar assim? Eu ‘tou dando o exemplo do Prêmio Universidade, por ser a maior referência de premiação da música no Estado. Para o bem ou para o mal, é.
Bom, eu pelo menos achava que a capa de meu disco podia concorrer, mas já soube que, por ter sido feita por uma paulista [Andrea Pedro, a mesma artista que faria, depois, o projeto gráfico dos dois volumes d’O coração do homem bomba, de Zeca Baleiro], já não vai concorrer. E ela se inteirou das coisas, procurou. Mas bom, a Universidade ainda é a única rádio que toca.

[Referindo-me ao programa Santo de Casa, das 11h ao meio-dia, de segunda a sexta-feira] Embora seja uma hora…
Não! Antigamente eu dizia isso, mas eu já ouvi Babalu fora do Santo de Casa [risos].

Como é que é fazer Emaranhado cercado de tanta gente boa. Tanto com a turma do Maranhão como com a turma de Sampa. Faz aqui com Luiz Jr., lá com Tuco Marcondes; aqui com o Rui Mário, lá com o Ferragutti, o Magoo…
Com todos eu me dou muito bem, eles sempre fazem com satisfação.

São excelentes músicos…
Sim, excelentes músicos. Por exemplo, tem uma música minha, chamada Sol, que é do primeiro disco, que eu coloquei no segundo. Era uma música que eu tinha feito, já tava tudo definido, e uma semana antes, ou já na gravação do disco, resolvi botar. Aí dei pro Ney Marques, que disse que ia fazer um arranjo, por que tem isso também, eu dou muita liberdade pra músico. E ele modificou muito, o andamento, o arranjo, criou uma introdução, e até hoje eu acho que é uma das minhas músicas mais bonitas. Está entre as três melhores músicas que eu fiz.

E quais seriam as outras duas?
Ah, Itamirim, que eu acabei sentindo que era, pois houve uma receptividade muito grande. Quando eu lancei esse disco, em 1988, vim para São Luís, passei dez dias, deixei os discos aí, vinilzão… passados dois anos, eu volto aqui, as pessoas sabiam a música. Uns nem sabiam que a música é minha, tem gente que até hoje não sabe [risos]. E nessa música eu não acreditava. Eu sempre gostei dela, mas não acreditava.

É teu maior sucesso, do ponto de vista comercial?
Sim, comercial e sentimental também. Ela toca muito o povo de Rosário. É uma música que foi feita em cima duma coisa que passou na minha infância. O boi vinha daquele lado de Axixá, e meu pai gostava muito de boi de orquestra, e me carregava e me levava pro outro lado, esperando. Sempre demorava, o boi nunca chegava.

E não tinha ponte, de Rosário pra São Simão [povoado rosariense, do lado de lá da ponte sobre o Rio Itapecuru]
Era a rampa da cadeia. Eu era tão pequeno, criança, que aquilo era uma coisa muito vaga. Eu me lembro que a gente sempre ia olhar o boi e o boi nunca chegava, eu dormia, nunca via [risos]. Por isso que eu fiz [cantarola um verso da música] “esse boi não passa cedo”. Eu fiz essa música assim, no escritório, trabalhava num escritório no Pacaembu, aí numa daquelas folgas, lembrei, escrevi algumas coisas, e deu certo.

Tu falas em Itamirim e eu faço uma relação com outra música do Celebração, Parabéns, Rosário, que faz um elogio à cidade que é berço do boi de orquestra.
Tem uma história engraçada. Quando Itamirim começou a estourar, eu ‘tava em São Paulo. Daí eu vim pra cá, e tava sentado num bar, ali na Ponta d’Areia, na época ainda tinha aqueles bares. Aí chegou um cara, sentou e disse: “olha, em Itamirim nunca teve boi”.

Vamos ver se esse professor aparece quando ler essa entrevista… [risos]
Eu fui à Rosário com [o poeta e pesquisador] Valdelino Cécio, finado Valdelino. Ele chegava e perguntava: “Itamirim tem boi?” Uns diziam que tinha, outros que não. No último que ele perguntou, o cara disse: “rapaz, tanto tem, que tem uma música que toca direto” [risos]. E tem outra história. Eu fui cantar num bar, comecei a tocar Itamirim, e tinha assim um bêbado. E o bêbado começou a esculhambar. O bêbado bem embaixo do palco. E eu comecei a pensar: “será que eu ‘tou errando?” Mas não, eu tocava aquilo há vinte anos. Aí eu terminei de tocar, desci, fui falar com ele. E ele me disse: “rapaz, você é um plagiador. Está copiando a música”. Eu me justifiquei: “olha, se eu fiz isso, foi involuntário, mas você me dá o nome do compositor que eu terei todo o prazer em dar o crédito”. Aí o bêbado virou e disse: “você é um ladrão de música! Essa música é de um compositor de Rosário que mora em São Paulo”. Eu respirei aliviado [risos]. O cara me fez esse suspense todinho…

FAIXA A FAIXA

Babalu
Babalu
é um cara que fazia dublagem em São Luís, no final da década de 60. Era um negro gordo, bem gordo, que dançava muito bem. Quando a gente era criança, que estudava ali por São Pantaleão, era mamãe quem fazia as aulas de arte, escrevia peças. Naquela época tinha aquela música, Babalu [bolero gravado entre outros, por Ângela Maria], e tinha uma peça, botaram uns colares nele, dois negros abanando, aí ele pegou o apelido e cresceu com ele. Num programa de auditório da TV, o pessoal fazia dublagem, e Babalu foi o grande destaque, por que era um cara pesado, mas de feições bonitas e que dançava muito bem e dublava Ray Charles. As pessoas às vezes não entendem, acham antiquada. É um bolero. Eu queria fazer um show trazendo ele, botando ele pra dançar. Mas não sei onde ele anda, vamos achá-lo por essa entrevista [risos].

Mara
É uma brincadeira. Minhas irmãs chegavam e diziam: “vou comprar ali na Mara”. Aí eu fiz.

Down
Se você for olhar a segunda parte dela, era um boi. É uma viagem. Como Laura [Amélia Damous, poeta, sua esposa] diz: não se explica.

Cover de blues
Fiz ainda em São Paulo. É uma música antiga. A Anna Torres, nossa grande cantora que está na França, me ligou, ia ter um festival, ela queria uma música, e eu fiz essa e ela ganhou o prêmio de melhor intérprete. E ela também gravou essa música no seu primeiro disco.

As coisas sempre vão indo
É uma música recente, ela é nova. Eu olhei uma menina lá com um piercing, viajando, fiz um pedaço. Foi feita aqui. E olhei também uma coisa, li em algum lugar, “as coisas sempre vão indo”.

Emaranhado
Jamil [Damous], irmão de Laura, é um poeta muito bom. Mandou-me várias letras, peguei Emaranhado e fiz um boi de zabumba, nunca tinha feito, é estilizado, aí peguei o refrão do boi de Lauro: [cantarolando] “reúne, reúne, sob o comando de China/ vamos dar prazer pra Lauro, Ubirajara e Florinda/, por que são eles, os donos desse batalhão/ orgulho de São Luís, Maranhão”. Letra de Jamil, eu fiz a música, Zeca participou. Pedro, Guará, Anastácio e Catarina são personagens de Turiaçu, que eram, se não me engano, vaqueiros do pai de Laura, que faziam boi também. E parece que um desses ainda é vivo. É mais um para ser descoberto por essa entrevista [risos].

Branco
Branco
é uma paixão que eu tenho pelo choro. Fiz um pedacinho quando eu ‘tava em São Paulo. Tem uma cantora lá chamada Zezé que queria um choro, mas queria que eu fizesse uma parceria com Giordano Mochel, que mora lá. Aí me apressei, fiz a primeira parte. Aí Mochel nunca fez a segunda, eu cheguei aqui, gravei.

É tudo verdade
É verdade tudo que tem nessa música. Seu Mário existiu, seu Cesar Teixeira conhece muito bem. Ele era um vizinho meu na São Pantaleão, tinha uma cultura de almanaque, tudo ele sabia, mas ele mentia muito. Eu tinha 14 anos quando ele morreu. Todas essas histórias da música, ele contava. Aí chamei Josias, Gerude e Inaldo [Bartolomeu, cantor também nascido em Rosário].

Star
É uma brincadeira também. Brincar com palavras, eu acho legal.

Fuzileiro apaixonado
Lembra da época da minha infância da Madre Deus. O primeiro disco que eu gravei foi um compacto chamado Sotaques, muito bonito, em que tocaram Edmilson Capeluppi, Ferragutti, e tinha uma música sobre os Fuzileiros. No segundo [Chico Saldanha, o primeiro, no caso], fiz Prá um samba de Caboclinho. Em Celebração, acho que não botei nada. E nesse, fiz essa música, que era cantada pelo pessoal do Fuzarca [grupo carnavalesco formado por Rosa Reis, Fátima Passarinho, Inácio Pinheiro, Cláudio Pinheiro e Roberto Brandão].

Linha puída
É uma música antiga, do meu primeiro disco. Gosto muito. É minha música mais gravada depois de Itamirim, por outras pessoas: Ruth Elis, Morena Rosa. Originalmente é um boi de orquestra. Mexemos, chamei Lenita [Pinheiro, esposa do compositor Josias Sobrinho].

Há que se falar
É em cima duma poesia de Laura. Quando ela ‘tava em São Paulo, comigo, acordou uma noite, já tinha um pedaço, escreveu o resto, já com algum ritmo, eu botei a música e harmonizei.

Travessando a ilha
É uma música antiqüíssima, relembrando os tempos em que a gente fazia aquelas canções. Em São Luís se fazia muito, Sérgio Habibe, Ronaldo [Mota, compositor maranhense radicado no Rio de Janeiro], dentro daquelas harmonias que eu já nem sei se ainda sei fazer.

26 respostas para “THE LAST, THE BEST”

  1. Zema, prazer ser a primeira em comentar. Boa conversa essa com Saldanha, fluiu, correu solta, como um bom bate-papo de botequim. Beleza, admiro muito o Saldanha. O maranhão ainda precisa conhecer (e valorizar) o Maranhão.Feliz 200inove (pegando carona na propaganda de certo banco… rsrsrs).Bjos. Lena Machado

  2. Parceiro e cunhado do Saldanha, sou suspetio pra comentar. Mas o disco dele merece mais do que ser conhecido no Maranhão. Merece ser conhecido no Brasil e no mundo. Itamirim está em todos os lugares e tempos. Está tudo emaranhado. Turiaçu saúda Rosário!

  3. zema.hj pude passear no teu sítio e tá maneiro hein.pensaste que era por brincadeira mas tô procurando à vera uma morada ludovicense.dias 13 14 15 de fev. vamos fazer um show em homenagem ao Candeia, relançamento do livro luz da inspiração do João Baptista Vargens, co-fundador da Quilombo, venha pra São Paulo que é meu convidado.aquele abraço pro ano inteiro. alfredo.

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