Raimundo Carrero e a obsessão pela literatura

O senhor agora vai mudar de corpo. Capa. Reprodução

O senhor agora vai mudar de corpo [Record, 2015, 111 p.], a frase-título abre o novo livro do pernambucano Raimundo Carrero, em que ele narra as aventuras da internação após um acidente vascular cerebral.

A ficção baseada em experiência real – o autor sofreu um AVC que o deixou com o lado esquerdo do corpo paralisado – remonta a amizade de Carrero com o escritor Ariano Suassuna e sua relação com o Movimento Armorial.

Uma das obsessões do Escritor é Dostoievsky, um dos autores de sua predileção, e a literatura como um todo. Outras referências aparecem ao longo do texto, como Kafka, que justifica mesmo o suicídio de um amigo-personagem.

Escrita em terceira pessoa, a novela apresenta como principal obsessão do autor-protagonista o corpo e suas relações – Cristo, sombras, fezes, luz etc. –, que dão nome aos capítulos (cenas) e as inevitáveis consequências da velhice, diante das dúvidas cruéis pós-AVC: conseguirá o Escritor continuar escrevendo? Estará ficando abobalhado? Tem motivos para temer a morte? À noite as aranhas tecem a negra mortalha com que será conduzido para a morada eterna, pensa.

Perguntas e pensamentos que povoam a cabeça do protagonista, sempre acompanhado de sua esposa, médica, em quem tem plena confiança, com quem dialoga permanentemente buscando a calma e o equilíbrio necessários para superar a situação – fora da literatura, Carrero ainda busca a cura completa.

“O corpo é a única certeza que nos acompanha desde o nascimento até a morte”, a justificada epígrafe de Clarice Lispector. No caso de Raimundo Carrero o corpo é a própria literatura.