Adaptação de Nelson Rodrigues, filme marca estreia de Murilo Benício como diretor. Sessão abre festival Maranhão na Tela

Ator consagrado, Murilo Benício estreia na direção com O beijo no asfalto [Brasil, drama, 2017, 101 minutos; classificação indicativa: 12 anos], adaptação – de que assina o roteiro – da peça de Nelson Rodrigues. Filmado em preto e branco, a opção do diretor não esbarra no óbvio, contrariando quem eventualmente pensar na escolha como uma busca das facilidades ao refazer um texto consagrado. Ao contrário, o diretor parece guiar-se justamente por essa preocupação: o que pode ainda atrair espectadores em um texto tantas vezes adaptado e encenado?
Para começar, Murilo Benício cerca-se de grandes nomes – Lázaro Ramos (Arandir), Débora Falabella (Selminha), Luiza Tiso (Dália), Otávio Muller (Amado Ribeiro), Stênio Garcia (o sogro de Arandir) e Fernanda Montenegro, entre outros – da televisão, do cinema e do teatro, e nos apresenta um filme, de atmosfera noir (a fotografia é de Walter Carvalho), híbrido dessas linguagens, no caso do cinema transitando com desenvoltura entre a ficção, o documentário e o making of.
Todo o grupo de atores está sentado ao redor de uma mesa, repassando o texto, a que são acrescidos comentários, sobre a grandeza rodrigueana, a hipocrisia social reinante desde sempre ou a monumentalidade de outros atores e atrizes que já encarnaram os papéis naquela peça – o próprio diretor aparece, sentado e discreto. O filme mescla esse ambiente de ensaio com bastidores de teatro e de set, com câmeras, microfones boom e outros equipamentos dividindo a cena com o dream team da dramaturgia de Nelson Rodrigues repaginada por Murilo Benício.
O enredo é por demais conhecido: um homem (Arandir), na Praça da Bandeira carioca, vê outro ser atropelado por um lotação e atende seu último desejo: um beijo na boca, visto por toda sorte de transeuntes, entre homens comuns, meros curiosos, e um jornalista inescrupuloso (Amado) que ganha a vida com o sensacionalismo nosso de cada dia. A partir daí este homem tem a vida devassada, num conluio entre a mídia, a polícia e a sociedade conservadora.
Qualquer semelhança entre a ficção sessentista de Nelson Rodrigues e a realidade brasileira de 2018 não é mera coincidência. A adaptação de Murilo Benício coloca em debate temas infelizmente ainda bastante atuais: a homofobia, a manipulação das pessoas por meios de comunicação (ou por redes sociais, em nossos tristes tempos) e um sentimento de culpa baseado em uma moral cristã. “Nelson Rodrigues tem um teatro da culpa; embora em busca de redenção, mas esta se dá pela culpa”, afirma categoricamente Fernanda Montenegro – que afinal de contas, era a Selminha da montagem original e aqui aparece como dona Matilde, uma vizinha fofoqueira.
Outra fala da atriz nos traz à triste realidade: passado tanto tempo, o Brasil segue atrasado em matéria de “moral e bons costumes”, no que imagino que a opção de Benício pelo preto e branco, mais que estética, seja também um modo de dizer: de nada adiantaram as cores e a tecnologia se um texto que se passa em 1960 pode ser encenado como atual no Brasil em pleno 2018.
Serviço
O beijo no asfalto será exibido hoje (15), às 20h, no Kinoplex (Golden Shopping, Calhau), na sessão de abertura do 11º. Festival Maranhão na Tela, com a presença do diretor Murilo Benício. A sessão é gratuita e aberta ao público, como toda a programação do festival.
2 respostas para “O beijo no asfalto terá exibição hoje em São Luís”